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sexta-feira, 14 de março de 2014

MARCELO YUKA: A BIOGRAFIA DE UM HOMEM
CHEIO DE CORAGEM, EXEMPLO DE VIDA...



Bruno Levinson e Marcelo Yuka



De Luiz Carlos Lourenço
Fotos de Daniel Marques



Depois de enfrentar o enlouquecedor trânsito do Rio de Janeiro, que atrasou sua chegada ao Leblon  em quase uma hora, o músico MARCELO YUKA, realizou ontem uma concorrida  noite de autógrafos para lançar sua biografia, “Não se preocupe  comigo”, publicado pela Editora Sextante. O livro, ilustrado com algumas fotos de sua carreira e dos acontecimentos que marcaram tragicamente sua vida, deixando-o paraplégico, foi escrito em parceria com Bruno Levinson. 
 Ao chegar em companhia de amigos, na noite passada, encontrou a  Livraria da Travessa do Shopping Leblon lotada, onde já o aguardavam músicos famosos, como Dado Villa Lobos, do Legião Urbana e Charles Gavin, do Titãs, mas a grande maioria das pessoas de todas as idades que aguardavam pacientemente seu autógrafo e a oportunidade de fotos com o músico era composta por dezenas de fãs anônimos, que Marcelo Yuka cultivou desde o início de sua carreira e que continuaram ao seu lado mesmo ele tendo se afastado dos palcos brasileiros, devido ao acidente que o vitimou.

Bruno, Dado e Marcelo Yuka

Neste livro, estou exorcizando alguns fantasmas", foi assim que Marcelo Yuka explicou a importância da biografia "Marcelo Yuka - Não se preocupe comigo". 
"Esse caráter pessoal de rever minha história é muito bom para mim, é uma forma de continuar", explicou o artist que, nas 240 páginas do livro, relembra a infância humilde em Campo Grande, a adolescência em Angra dos Reis e os primeiros passos como artista em Copacabana. 





"Acho que o livro não deixa de ser também um pedido de perdão e um agradecimento a minha família por ter estado sempre ao meu lado independente das minhas escolhas, eles pagaram um preço alto por isso", contou Yuka que em 2000, durante um assalto, fico paraplégico em decorrência dos nove tiros que levou. A uma pergunta se o livro - que levou cinco anos para ser feito - vem em boa hora se comparado ao momento político brasileiro, Yuka opinou: "Minha história é a história do amor, amor pelo acredito, amor pelas pessoas que nem conheço é por quem me dediquei tanto". E afirmou que "há uma brisa reacionária" no ar do Brasil.


Vítima da violência carioca, Yuka aproveitou ainda para condenar a atitude dos chamados "justiceiros". "Tem muita gente confundindo justiça com vingança, quando isso acontece é prova maior quebráramos vivendo uma era fascista. Os corruptos sabem que estão errados, essas pessoas acham que estão certas, que estão fazendo o melhor para a sociedade", opinou. Também as mulheres, Renata. Maíra. Chris. Mônica. Joana. Mana. Letícia. Servanne. Samantha estão ali, algumas presentes na noite de lançamento do livro. . As mulheres da vida de Marcelo Yuka surgem na autobiografia como fortes e bravos personagens de uma epopeia naturalmente carregada de dramas e de intensas emoções, mas que acaba sendo suavizada pela cativante sinceridade do músico, que ficou paraplégico após um assalto no Rio em 2000. E isso inclui um forte mea-culpa a suas próprias heroínas acerca da confusa relação que manteve com todas elas. “Se sou de um certo jeito com as mulheres, isso vem do meu pai. O lance dele era alta rotatividade”, afirma ele no livro.


Marcelo e Dado Villa Lobos


Segundo o escritor Paulo Lins, que assina o prefácio do livro, "nunca um relato biográfico foi feito de peito tão aberto. Nada aqui neste livro está escrito fora do tom.As metáforas de tão exatas são como se não existissem numa leitura menos atenta, explica Paulo.
Paulo segue sua análise do livro: " Se tem uma coisa que Marcelo Yuka sabe é contar uma história. Ele começa sua narrativa pela infância em Campo Grande, zona leste do Rio de Janeiro, passa pelas maldades das crianças que brincavam nas ruas, pela rejeição do pessoal da escola e dos acadêmicos de toda sorte, até o primeiro contto com um instrumento musicale o sucesso de suas canções que embalaram a década de 1990 e estão aí até hoje. Uma vida de certa forma embralhada com todos aqueles que viveram as letras de suas músicas."
Segundo Paulo Lins, Yuka fala de quando criou o Rappa, da levada da batera, das relações fmiliars, do perfil de cada namorada, do seu grande amor, dos trairas, de quando o bicho pegou pra cima dele com os nove tiros que levou semsaber porque, da saída da banda depois de ir parar na cadeira de rodas e, sobretudo, de música. Ele também faz uma análise social dos últimos 40 anos, terndo como ponto de partida a sua violência.

Bruno sorridente ao lado de seu filho


"São lembranças de ruas, de quintais floridos, dos velhos conversando na esquina, das brincadeiras, da polícia de geração em geração. As mudanças no poder em uma cidade onde tudo iria aumentar, inclusive a violência, trouxeram consigo pelo menos uma coisa boa: o clamor por justiça social em quase todos os segmentos da sociedade. Yuka sempre quis mudar o Brasil.
A violência é um ato político na concepção dele, Em uma entrevista logo depois de alvejado, disse: "esses tiros vieram de muito longe"   


O DIA TRÁGICO


No dia 9 de novembro de 2000, ao tentar impedir que oito bandidos roubassem o carro de uma mulher, na esquina das ruas Andrade Neves e José Higino, na Tijuca, o baterista Marcelo Yuka, do grupo O Rappa, levou quatro tiros, todos pelas costas. Um dos projéteis atingiu a segunda vértebra torácica, deixando-o paraplégico. Segundo testemunhas, os criminosos fizeram mais de 15 disparos contra o músico, antes de roubar um Gol branco e fugir.

Yuka ia para casa quando percebeu a movimentação do bando, que fechara as ruas com dois carros para assaltar os motoristas que passavam por ali. Dirigindo uma Toyota, ele deu ré na direção dos bandidos, que reagiram atirando no carro do baterista. O veículo bateu em uma árvore e derrubou uma placa de sinalização.


A livraria ficou lotada de fãs de Yuka

Em 28 de fevereiro de 2009, Yuka voltou a ser alvo da violência na capital. Assaltantes tentaram levar seu carro, a cerca de um quilômetro do local do crime de 2000. Ele foi agredido com socos e jogado para fora do veículo pelos bandidos. Os criminosos, porém, não conseguiram dar partida e acabaram fugindo a pé, levando o celular do músico.
— As mulheres que estão no livro foram importantes demais na minha vida porque amaram profundamente e sem medir esforços alguém que sempre foi escangalhado, de uma forma ou de outra — conta o músico— Se hoje tenho um entendimento disso aqui (aponta para a cadeira de rodas), foi porque elas me ajudaram, me deram esse norte. Até o acidente, por exemplo, eu transei de todas as maneiras possíveis, dentro de uma ótica hetero (risos). Mas as mulheres que vieram depois, quando eu já não tinha mais nenhuma capacidade de dominação, me apresentaram a uma coisa chamada fazer amor, que eu nunca tinha sentido antes. Acho que essa foi a lição mais forte que tive na cadeira de rodas.



Resultado de mais de 30 entrevistas feitas com Levinson ao longo de cinco anos, mas o livro não tem o acidente como tema central e vai além da sua repercussão — como aconteceu, por exemplo, no premiado filme “No caminho das setas”, da diretora Daniela Broitman, lançado em 2011.
— O filme tem outro contexto, seu recorte é mais em torno do acidente e do ativismo que me envolveu depois daquilo tudo. Na verdade, só topei participar dele porque acreditei que podia ajudar na luta pelos estudos com células-tronco — explica. — Já o livro é bem mais amplo. As conversas com o Bruno me transportaram no tempo e me levaram a falar coisas que eu nunca tinha dito. O resultado é que acabei sendo mais honesto do que cuidadoso.
— No começo, não sabíamos que esse ia ser um livro na primeira pessoa, mas a personalidade do Yuka acabou impondo isso — afirma Levinson. — Como mostram suas letras, ele é um grande contador de histórias, mesmo quando revela suas dúvidas e suas incertezas. Achei que seria um erro interromper esse fluxo e escrever o livro de outra forma.

Em “Não se preocupe comigo” desmonta um pouco o mito em torno do fundador e ex-baterista d’O Rappa, apresentando-o simplesmente como o Lombriga, apelido dado durante sua adolescência em Angra dos Reis (a infância foi passada em Campo Grande), cercado por uma turma de rua que incluía amigos igualmente rebatizados como Careca, Tuscula, Magoo, Bacura, Baiano, Macaco, Cocolho e Mará (que protagoniza uma surreal cena quando Yuka já estava no hospital).


A minha construção passa por esses malucos todos, que me deram posicionamentos progressistas e contatos com a cultura pop quando eu não tinha nada disso. Nunca tive paciência para o mito criado em torno do nome Yuka. O Lombriga foi um maluco desses e adorei me lembrar dele. É o anti-herói que existe dentro de mim.
Ao longo do livro, as memórias de Yuka, despertadas e conduzidas por Levinson, seguem num vibrante flashback, com várias paradas impactantes, das lembranças dos bailes de subúrbio (entre “browns” e “cocotas”), dos contatos com a turma do reggae na Baixada Fluminense nos anos 1980 (o nome Yuka veio quando integrava o grupo KMD5), passando pelo encontro casual e marcante com o traficante Marcinho VP no alto do Morro Santa Marta durante um evento de hip-hop e pela amizade com personalidades como o poeta Waly Salomão (1943-2003), o delegado Orlando Zaccone e o deputado estadual Marcelo Freixo (seu companheiro de chapa, pelo PSOL, nas eleições para prefeito do Rio em 2012). 




No percurso, inevitavelmente, acaba esbarrando nas amargas lembranças dos seus ex-companheiros do Rappa, do qual foi expulso pouco depois do acidente (“Fui tirado da banda 50% por ganância, 50% por poder”), ao mesmo tempo em que elogia o companheirismo demonstrado pelos Paralamas do Sucesso após o acidente de Herbert Vianna, em 2001.
Cheio de idéias para o futuro, começa a citar planos: um disco solo, já gravado e ainda sem título, com participações de Marisa Monte, João Barone, Seu Jorge, Cibelle e Papatinho (do ConeCrew Diretoria), e cuja finalização vai passar por um projeto de crowdfunding, que começa neste mês; uma exposição com suas pinturas (sua geladeira é tomada por elas), sem data prevista; e uma solitária travessia de 30 quilômetros pela Baía da Guanabara feita em uma canoa havaiana adaptada, planejada para dezembro.
— Quero fazer essa travessia para chamar a atenção para os deficientes e incentivá-los,  já que a água tem outra atmosfera, outra gravidade. Ela é terapêutica e provoca um outro tipo de equilíbrio — conta o ex-surfista, que no livro afirma não querer morrer sem descer novamente uma onda. — Não tem uma semana em que eu não sonhe estar surfando, num final de tarde, sozinho no mar, já quase escuro. Sinto o cheiro da maresia, a onda me envolvendo e depois aquele barulho da arrebentação.
Marcelo Yuka revela ainda que  nos dias atuais é líder de uma ONG, de nome homônimo a sua atual banda, F.UR.T.O e luta por maior realização de pesquisas com células tronco, para que estas possibilitem que ele e outros deficientes voltem a andar.







Bruno Levinson, o fotógrafo Daniel Marques e Marcelo Yuka