Esta é a Dona Nicéia, de 46 anos |
Fotos: Vivian R. Ferreira
Nicéia era obrigada a trabalhar desde pequena e apanhava quando queria ir para a escola. Anos depois, ela quer um futuro diferente para as suas filhas.
Você já enfrentou alguma situação que achava que a única saída fosse fugir?
Quais dessas situações abaixo fariam você querer fugir de algo?
A) Guerra
B) Trabalho infantil
C) Violência doméstica
D) Abuso emocional
Em tempos de guerras, por exemplo, a escolha de muitas famílias é a de fugir para se proteger. Na verdade, não é nem uma escolha, muitas vezes é a única alternativa.
E se eu dissesse a você que dessas quatro opções, a única não vivida por Nicéia dos Santos Dias, de 46 anos, foi a situação de guerra?
Foram muitos momentos de sofrimento aos quais ela foi exposta desde muito nova quando morava com a família na região rural de Curitiba, no Paraná.
Você já enfrentou uma situação e se imaginou sem saída para resolver? Se você já passou por isso, a gente entende. No Brasil e no mundo, muitas pessoas passam por situações semelhantes com as quais você ainda encara.
Os problemas que enfrentamos são diversos, não é? Em alguns, a gente se sente invencível e em outros nem tanto... Mas vamos falar melhor disso daqui a pouco.
Provavelmente, esse é um dos textos mais importantes de serem lidos para quem sabe muito bem como é importante escapar e se salvar de uma situação que consome e prende você.
Campinas, SP - Apesar de vários anos terem passado, Nicéia lembra com muita dor da sua infância. "Eu nunca entrei numa sala de aula. Eu passava em frente as escolas e ficava pendurada no portão vendo outras crianças na escola, estudando, correndo de lá para cá e eu precisando ir trabalhar."
Menos da metade para o mês todo
Sabe quando estamos andando em um lugar muito alto e alguém nos diz para não olhar para baixo para não ter medo de dar o próximo passo? É assim que podemos descrever a história de vida da Nicéia e das suas quatro filhas, moradoras do bairro Jardim Campos Eliseos em Campinas, interior de São Paulo.
Você não imagina como, independentemente do valor, a sua doação faz diferença na vida de pessoas que têm a sua renda mensal menor que metade do salário mínimo.
“Quando eu consigo um terreno para carpir de manhã eu já consigo uns 40 reais... E aí já é o dinheiro para comprar a mistura, uns temperos. Minha renda é difícil porque eu não sei quanto vou ganhar no mês. Tem mês que tem bastante trabalho, tem outro que tem menos... Tem vez que elas já pediram algo para comer e eu não tive como dar. A Thalyssa, por exemplo, adora lasanha, só que não é cinco reais para comprar uma, né? Aí eu falo que não tenho.”
Enquanto estávamos na casa de Nicéia, ela destacou sobre ter ouvido alguém falar de um restaurante que servia sanduíches de 300 reais. A mãe, contando a história de forma desacreditada, disse que com 300 reais ela garantia comida o ano inteiro para a sua casa.
Além da surpresa em saber que com 300 reais é possível fazer muita coisa, inclusive alimentar suas filhas por muito tempo, é inevitável pensarmos sobre ser possível, em uma mesma cidade, uma pessoa gastar 300 reais em um sanduíche e outra, com a mesma quantia, alimentar cinco pessoas por muitos meses.
Mas, sobre esse assunto podemos (e vamos) conversar em outros momentos. Inclusive, se tiver alguma sugestão, só colocar lá embaixo na parte dos comentários da matéria.
Os traumas da infância
Continuando com a conversa com a dona Nicéia, chamou muito a nossa atenção um outro fato e gostaríamos de saber se também chama a sua: a mãe, enquanto morava em Curitiba, era obrigada pelos pais a vender produtos no centro da cidade. Olha só o que ela disse: “Eu não tive infância. Eu precisava trabalhar desde criança, também não tive escola. Eu não sei ler e nem escrever. Minha infância foi trabalhar para ajudar a pôr as coisas dentro de casa".
E continua: "Em Curitiba eu vendia as coisas no calçadão. No dia dos namorados eu vendias rosas, em época de natal a gente vendia cartão de natal, quando estava frio a gente vendia meia. Eu tinha uns 7 anos e passava em frente às escolas e ficava pendurada no portão vendo outras crianças estudando, correndo de lá para cá e eu precisando ir trabalhar. E se eu trabalhasse e não levava dinheiro ainda apanhava. Perto de Curitiba tinham aquelas matas fechadas. O dia que eu não conseguia levar dinheiro para casa eu dormia no meio da mata para eu não apanhar, aí de manhã eu ia para casa, meus pais me pegavam e me batiam. Era assim.”
Além disso, Nicéia carregava um fardo pesado desde a sua infância e que se transformou em um trauma na sua vida, por isso quando percebeu que a mesma coisa estava acontecendo com ela, imediatamente a mãe acendeu o sinal de alerta para proteger a si mesma e as suas filhas do trauma que elas também poderiam criar para si mesmas.
Infelizmente, essa situação vitimiza 4,4 milhões de mulheres brasileiras por ano, segundo um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Meu marido sempre foi trabalhador, mas a nossa relação ficou ruim quando ele começou a beber. Ele chegava tarde em casa, embriagado, e eu estava com as meninas e ele queria me bater, falava umas palavras meio que me ofendendo. Aí a gente se separou.”
“E as minhas filhas viam essa situação com o pai delas e isso não era bom... Elas gritavam e ficavam assustadas. E isso me lembrou a minha infância porque eu via o meu pai batendo na minha mãe.”
Quando era criança, Nicéia, junto com a mãe dela, precisou fugir do pai para conseguir se salvar. Elas perceberam que essa situação de abuso emocional e violência a qual eram expostas precisava acabar. Na verdade, não apenas fugiram, elas sobreviveram.
A alegria que faltava!
Campinas, SP - Apresentamos as queridas Thaylla e Thallya, as gêmeas, com 10 anos, Thamara, 9, e a caçula Thalyssa, com 7 anos.
Hoje em dia, a LBV é todo o amor que a Nicéia precisa na vida dela e na vida da sua família.
“Faz cinco anos que as minhas meninas estão na LBV. E é tudo o que eu preciso porque elas ficam de manhã lá e à tarde vão para a escola, porque eu preciso trabalhar para conseguir as coisas para elas.”
“Antes eu levava elas junto para o trabalho para elas não ficarem sozinhas em casa. É perigoso. Mas elas são crianças e lá não era o lugar delas. Antes da mais nova estar na LBV ela já foi picada por escorpião em uma dessas vezes que ela estava junto comigo”. Lembrando que a Thalyssa, a mais nova, apenas foi exposta a esse risco por precisar acompanhar a mãe no trabalho de limpar terrenos baldios. Esssas áreas oferecem enormes riscos de materiais e solo contaminados e animais peçonhentos.
“Hoje em dia, se eu tenho um terreno para carpir eu tenho que terminar até antes delas chegarem da LBV, porque aí elas tomam banho e vão para a escola. Elas já vêm almoçadas de lá e isso para mim é ótimo, ajuda muito. E na LBV tem tanta atividade, até aula de culinária elas têm, e elas gostam muito de lá.”
O bairro onde vivem Nicéia e suas filhas é extremamente vulnerável. Apesar de estarem em uma das maiores cidades do Brasil, as ruas do entorno são de chão batido e o saneamento básico é bem precário. A mãe fica o tempo todo de olho para que nada ou ninguém faça mal para as suas filhas.
“Minha casa é um cômodo pequeno, um banheiro e tem um colchão de casal que é onde a gente dorme. Na entrada tem lençol no lugar dos vidros da janela e da porta porque eu ainda não consegui comprar, aí fica o lençol pra proteger do frio da rua.”
De um espaço muito bem calculado e otimizado para caberem todas, as crianças saem de manhã e vão para a unidade da LBV no bairro Vila Rica, uma das duas unidades que a Instituição mantêm na cidade.
A unidade da LBV em Campinas é ampla. Tem espaço ao ar livre, salas de arte, música, teatro, refeitório amplo. São dois andares onde as crianças de famílias em situação de vulnerabilidade social encontram espaço para viverem uma infância saudável, segura e feliz em busca da realização dos seus sonhos.
O alívio da mãe em ter a LBV cuidando das meninas é saber que, além de poder ir trabalhar, as filhas não ficarão em casa sozinhas correndo enormes riscos, assim como a mãe que precisou fugir na infância de assédio sexual, influência das drogas e da violência.
“A LBV me deixa muito feliz. Para mim, é tudo! Se não tivesse a LBV não teria como eu ir trabalhar. Sou muito grata! O kit que elas ganham lá dá para estudar o ano inteiro sem preocupação.”
A você que colabora e ajuda a mudar a vida da Nicéia e de outras famílias, ela deixa um emocionado agradecimento: "Peço que Deus abençoe muito e dê em dobro o que eles fazem pelas crianças e pela família das crianças da LBV. Muito obrigada!”
Parabéns pelo seu coração solidário. Parabéns por ser luz para quem precisa. Parabéns por estender a mão!