Foto: Arquivo Pessoal |
E se você se sentisse pressionada a mentir a idade assim que completasse 30 anos? Foi esse o estalo para Cris Saur largar a carreira de modelo. Natural de Panambi e hoje radicada em Los Angeles, ela deixou tudo para trás e foi correr o mundo para descobrir qual, afinal, era o significado da beleza. Devia ser, pensava, mais do que a silhueta que você tem. Hoje, aos 37 anos, Cris está finalizando um documentário “Quest for Beauty” (“A Busca da Beleza”, em tradução livre).
Leia o depoimento da leitora à coluna O Que Vi e Vivi:
“Com 19 anos comecei a ser modelo. Não porque era exatamente o que eu queria fazer, mas para viajar o mundo, ser independente, morar sozinha e ser dona do meu nariz. Modelar pareceu ser uma opção ótima. Engenharia Civil, faculdade que cursava até então, não me proporcionava nada disso. Além do mais, eu só estava na faculdade para me encaixar nos padrões, não tinha nada a ver comigo.
Minha primeira viagem foi para o Chile, depois para África do Sul, Itália, França, Inglaterra e Estados Unidos. Logo no início, percebi que era um mundo bastante superficial e que a “beleza” de que todos tanto falam era bastante questionável, ao menos na minha opinião. Eu me perguntava todos os dias “O que é ser bonita?”. Ser nova, magra, loira, alta? Só isso? Às vezes, dava nostalgia do curso de Engenharia, em que ao menos meu esforço intelectual era avaliado, não só as intermináveis horas na frente do espelho e na academia. Ou se meu cabelo estava brilhoso, e a pele, impecável.
Certa vez, dei uma entrevista ao lado de experts sobre beleza. Tinha uma jornalista de moda, um personal trainer e eu. Conversávamos sobre os requisitos para ser modelo, a efemeridade da moda, o glamour (será?) e os sacrifícios da profissão. Lá pelas tantas, a jornalista contou que foi a São Paulo fazer uma reportagem sobre a Fashion Week e conversou com algumas meninas pra saber de que forma elas se preparavam, se faziam alguma dieta maluca. Uma delas respondeu que, na semana que antecedia os desfiles, elas tomavam detergente, pois fazia com que o estômago adoecesse e “não precisasse” de comida. Fiquei completamente chocada! Não que eu já não tivesse feito dietas, mas nunca tinha ouvido sobre tomar detergente.
Perto de completar 30 anos, estava completamente em pânico! Meus 30 finalmente haviam chegado, e, aparentemente, no mundo fashion isso não é muito bem-vindo. Já mentir a idade faz parte. No dia seguinte ao meu aniversário, percebi que nada terrível tinha acontecido e que eu continuava a mesma pessoa – incrível!
Resolvi nunca mais mentir a idade. Alguns clientes se surpreendiam quando viam na minha ficha “30”. E eu, como já esperava algumas reações, apenas sorria. Mais alguns anos se passaram, e a pressão com a idade aumentou. Queria voltar a estudar algo, mas o quê? Tentei Jornalismo, mas não era exatamente o que queria. Fiz aulas de atuação, mas também não era isso. Foi então que descobri que, na minha escola de atuação (Lee Strasberg, em Nova York), eles também tinham curso de direção de cinema. Bingo, acertei. Eu me formei em direção de cinema e comecei a dirigir curtas e alguns filmes comerciais.
Com 34 anos, estava noiva. A pressão com idade não é apenas no mundo fashion. Em alguns outros grupos, também escutava “Vai ficar pra titia…”, “Tem que casar logo”, “Tá ficando velha pra ter filhos…” e coisas do gênero.
Um dia, cheguei em casa “inesperadamente”, pois minha aula de yoga havia sido cancelada. Para minha surpresa, meu então noivo estava no telefone com um amigo comentando que meu corpo ainda era ok, mas minha cara era de velha. E, apenas a título de curiosidade, ele era 15 anos mais velho. Todas as minhas questões sobre beleza da época em que ainda modelava ressurgiram. Sim, terminamos o relacionamento.
Alguns dias depois, recebi o convite para uma sessão especial de 20 anos de aniversário do filme Forrest Gump. Nunca vou me esquecer de uma das cenas em que ele está na guerra, escrevendo uma carta sobre o quão lindo o lugar era e que cada vez que chovia o verde ficava mais verde. Aquilo sim era um ser humano que apenas via beleza, até na guerra!
Juntei A com B e decidi que queria fazer um filme, um documentário sobre o significado da beleza. Coloquei todas as minhas coisas em um depósito e saí a viajar. Andei sozinha por 12 países: Tailândia, Camboja, Austrália, Japão, Rússia, Inglaterra, França, Áustria, Grécia, Peru, Brasil e Estados Unidos entrevistando diferentes pessoas. Essa experiência me tornou uma pessoa melhor, mais madura, segura e também mais grata.
Em Nova York, uma senhora cega me pediu para descrever o parque e depois me agradeceu, pois eu tinha lhe ajudado a admirar a beleza. Um cirurgião plástico disse que não é a aparência física, mas a alegria das pessoas que nos faz bonitos. Um designer de moda disse que o diferente é que é bonito, e um yogi explicou que beleza é o que experienciamos em um nível mais elevado (saiba mais em questforbeauty-movie.com).
A beleza, que sempre me pareceu algo quase assustador, era, na verdade, a coisa mais incrível do mundo. E como Dostoiévski já disse:
“A beleza salvará o mundo”. Nós é que precisamos entender o que a beleza realmente significa e encontrá-la dentro de nós, e não fora.
Hoje com 37 anos, me sinto mais plena e consigo ver a beleza da maturidade também no espelho. Enxergar beleza é um exercício diário e nos traz um bem-estar indescritível.”