O COMOVENTE ROMANCE DA ÍNDIA DIACUÍ
COM O SERTANISTA GAÚCHO CÂMARA CUNHA
A concorrida página do Almanaque Gaúcho. ma Zero Hora, lembra uma história que comoveu o país inteiro no início da década de 1950. O que poderia ser apenas um romance entre duas pessoas que se amavam, tornou-se uma complexa novela com lances surpreendentes e dramáticos. Aires Câmara Cunha era um gaúcho de Uruguaiana chegado numa aventura. Por conta disso acabou indo parar no Brasil Central, onde tornou-se sertanista, e participou da famosa expedição Roncador-Xingu. Essa incursão interior adentro foi criada em 1943, no governo Vargas, e tinha por objetivo desbravar áreas desconhecidas do oeste e da selva do Mato Grosso, e se desenvolveu até 1949. Aires trabalhou como funcionário da Fundação Brasil Central, no meio da floresta encontrou a índia Diacuí, filha de um cacique da etnia Kalapalo.
Decidiu que aquela seria a sua mulher e começou a encontrar obstáculos, não entre os silvícolas, mas entre os homens brancos, como ele, do Serviço de Proteção ao Índio. O sertanista tocou-se para o Rio de Janeiro onde ficou três meses tentando contornar as dificuldades. Ele queria oficializar a união. Quando a imprensa da época, especialmente a revista O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, descobriu o caso, o interesse sensacionalista em tirar proveito da situação e auferir lucros financeiros, ensejou reportagens em série que fidelizavam leitores. Por interferência de Chateaubriand o Estado e a Igreja foram mobilizados para dar sequencia ao sonho de Aires. A índia Diacuí, trocou a nudez da selva por um vestido de noiva, e trazida para a então Capital Federal, casou-se com o gaúcho numa cerimônia, na Igreja da Candelária, acompanhada por milhares de pessoas. Logo começariam os maiores problemas. A especulação sobre os “reais” propósitos do sertanista ocuparam as páginas dos jornais e revistas. Haveria, por trás, a (improvável) intenção de “ficar” com as terras dos indígenas. O mínimo que se dizia, era que Aires buscava a publicidade fácil, até porque, como escreveu um jornalista, “Diacuí, é apenas uma índia; portanto, feia como o são suas irmãs de raça. As Iracemas desapareceram há muito, refutadas, com José de Alencar, pela crua realidade do sertão brasileiro”.
Depois de toda a badalação, da festa no Rio, o casal voltou para a floresta remota na margem do Rio Culuene, em Mato Grosso. O tempo passou, e a índia ficou grávida. Durante o trabalho de parto, complicações colocaram a vida de Diacuí em risco. Ayres, assustado, apanhou uma canoa e saiu em busca de socorro. Quando retornou, nada mais pôde ser feito pela mulher, havia apenas uma menina recém-nascida. Não bastasse a dor, Ayres foi acusado, pela imprensa, de ter abandonado Diacuí à própria sorte. Descartado e amargurado, apanhou o bebê, no qual colocou o nome da mãe morta, e voltou para Uruguaiana. Lá, construiu uma mistura de galpão crioulo com oca indígena, que batizou de Taba Diacuí. No início da década de 1960, o fotógrafo Alceu Feijó visitou e fotografou o lugar onde Ayres criava a pequena e lindinha Diacuí, hoje, uma senhora de mais de 60 anos, casada com José, um caminhoneiro internacional aposentado.
Ayres, que morreu em 1997, aos 82 anos, foi ajudado pela segunda esposa a educar a menina.
Diacuí Cunha Dutra, a filha, só voltou à selva do Mato Grosso, onde nascera, no último mês de março, por iniciativa de amigos, como o ativista cultural Duclerc João da Silva e a psicóloga Márcia Batista Tomé, seus acompanhantes nessa incursão catártica. Ela emocionou-se no túmulo da mãe, visitou a aldeia Matipu/Calapalo, ainda hoje um lugar quase inacessível, onde encontrou parentes. Participou de rituais na selva e voltou ao Rio Grande do Sul. Um documentário para a televisão e um livro estão sendo providenciados. Duclerc, que dirige o jornal Gazeta Serrana, de Bom Jesus, busca apoio para poder contar, em detalhes, e sem sensacionalismo, essa história brasileira que, como o nosso país, não tem fim.