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segunda-feira, 22 de abril de 2019

Cultura Soul e o Baile Charme Show

Baile Charme Show celebra os 50 anos do Movimento Black Soul sob o comando de Gabriel Moura e Dança Charme & Cia com participações especiais de Seu Jorge, Hyldon e Conexão Japeri no Circo Voador

Fotos: Cristina Granato


No final dos anos 60 nascia o Movimento BlackSoul que lotava os clubes dos subúrbios do Rio de Janeiro, onde um público de maioria negra dançava os hits da Soul Music americana. James Brown na veia, os cabelos black, os sapatos plataforma,  jovens negros garimpando a auto-estima, música militante, no período que coincide justamente com o período da ditadura militar no Brasil.

Inspirado pela luta pelos direitos civis nos Estados Unidos com os Panteras Negras, Angela Davis, e artistas como Marvin Gaye, surgia um público essencialmente negro, ávido de transformação e de espaços onde pudessem se sentir livres para se divertir e se encontrar. Ao ponto da música parar para acontecerem discursos politizados nos bailes. “As Noites do Shaft” no Clube Renascença em 72, e bailes em que as equipes se apresentavam nos clubes Olaria Atlético Clube, Portelão, Lespam e tantos outros onde equipes engajadas como a Soul Grand Prix faziam as suas festas. O legado da comunicação dos bailes marcou outras épocas como o baile Charme de Marechal Hermes, o Vera Cruz do DJ Corello e nos dias atuais o Baile de Viaduto de Madureira.

O Movimento Black Soul que completa em 2019, cinquenta anos desde o surgimento em 1969 na Cidade do Rio de Janeiro, Só é descoberto pela grande mídia em 1977, a partir da matéria intitulada “Black Rio – O orgulho (importado) de ser negro no Brasil” publicada no Jornal do Brasil, pela jornalista Lena Frias.  A publicação dessa matéria faz surgir o nome “Movimento Black Rio”, que em 2018 veio a se tornar Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro. Sua influência fez nascer uma sonoridade Soul nacional.  Surgiram ícones com referências musicais da Soul Music, presentes na rebeldia do Tim Maia, no romantismo do Hyldon, no suingue do Simonal, do Tony Tornado, do Jorge Ben, na batida soul de Carlos Dafé, Gerson King Combo e a banda União Black, a famosa Banda Black Rio composta por músicos talentosíssimos entre eles Oberdan Magalhães, Barrosinho, Claudio Stevenson, Lucio Trombone, Jamil Joanes, Luis Carlos Batera e outros, capitaneada pelo produtor musical Don Filó em 1977, na gravadora Warner (WEA Discos). 

Muita repressão policial aconteceu nesse período onde artistas e líderes das equipes como Don Filó, Paulão Blackpower, Gerson King Combo e Tony Tornado foram presos, numa tentativa de sufocar o movimento.

Surgia uma poderosa manifestação Black da juventude negra que começava acreditar na sua beleza e na sua identidade, impulsionada pelos artistas americanos e agora, cada vez mais por artistas nacionais.  Gerson King Combo, Lady Zu, Cassiano, Luiz Melodia, Carlos Dafé, grandes nomes que escreveram essa história. O compositor Macau compõe a música "Olhos Coloridos"   que Sandra Sá grava em 1982 e que se torna  um dos grandes hinos da Soul Music Brasileira. O agito ficava por conta de Ademir Lemos, Big Boy, Monsieur Limá e vários Djs, em especial Mr Funk Santos.

No entanto, tanta gente negra reunida incomodava a sociedade, o governo e até a imprensa. O movimento acaba sendo sufocado em 1978 pela repressão que impôs com que as gravadoras migrassem para o novo estilo musical apoiado pela ditadura e pela imprensa em geral.  Surgia a Disco Music sobe as bençãos das grandes gravadoras e do filme "Embalo de Sábado a Noite" estrelado por John Travolta e ao som do grupo Bee Gees. Uma música mais pueril, sem engajamento, com muitas bandas de artistas brancos e naturalmente com menos suingue.   As equipes de Soul não tiveram alternativas e partiram para a onda Disco. 

Fiéis a proposta da Soul Music, alguns BlackSoul não migraram para Disco Music, entre eles Don Filó que se retirou do movimento em 1978, lançando seu último LP Soul Grand Prix. Era a despedida da Soul Music, que passou o bastão para o Disco Funk, a vertente negra da Disco Music, gravado por diversos grupos e artistas como Earth Wind &Fire, The Tramps, Gap Band e outros. 

Como todo movimento musical, a Disco saiu de moda e voltou à essência da música negra nos anos 80 com o surgimento do Charme, batizado por DJ Corello, o mentor do Movimento Charme na época, uma vertente musical R&B -RhythmAndBlues,  ao som de Gregory Abbot com o sucesso "Shake Your Down".  A onda do Black isBeautiful, afirmando que a identidade e a auto-estima do povo negro estavam de volta, onde a juventude se enche de orgulho e volta aos bailes aos som desses novos hits.

No final dos anos 1980 surge uma banda comandada por um jovem talento da Baixada Fluminense: Ed Motta e Conexão Japeri.

O estilo Black, Soul, Samba Funk ainda ganharia uma versão diferente e repaginada com a banda Farofa Carioca no final da década de 1990 que lança outros dois grandes talentos: Seu Jorge e o anfitrião do Baile Charme Show, Gabriel Moura.

O Baile Charme Show é de uma certa forma a síntese disso tudo. É show, é Black, é Soul, é R&B, é negritude carioca e suburbana e engajamento. O negro é lindo novamente e justamente coincide com a volta de um regime que pretende celebrar a ditadura e voltar a reprimir e abafar quaisquer tipos de manifestações culturais. É uma forma de unir a Zona Norte e a Zona Sul da Cidade no Circo Voador, um espaço central e democrático. O Charme é um jeito nosso de dançar, ouvir e criar uma versão brasileira desse estilo R&B, desse Soul e desse Funk na pista, na rua, na chuva, na fazenda ou em qualquer lugar onde role um baile. Um Baile Black. Salve a Black Music, a Soul Music o R&B e o Charme do Rio de Janeiro.

O Baile acontece dia 19 de abril sob o comando de Gabriel Moura e Dança Charme & Cia com participações especiais de Seu jorge, Hyldon, As Sublimes, Banda Conexão Japeri, a cantora americana Alma Thomas e o DJ F-Soul.

Texto escrito por Gabriel Moura, Don Filó e Marcus Azevedo.



Gabriel Moura, Seu Jorge e Marcelo D2 comandam Baile Charme Show no Circo Voador
Segunda edição da festa que celebra a música negra teve as participações de Seu Jorge, Marcelo D2, Alma Thomas, Hyldon, Kevin Ndjana e Conexão Japeri.


Um dos movimentos culturais mais expressivos do subúrbio carioca desembarca na Lapa. Depois de uma edição de estreia memorável no Circo Voador, o Baile Charme Show, comandado pelo cantor e compositor Gabriel Moura, voltou nesta sexta ao tradicional palco da Lapa. A segunda edição teve participações ícones da música negra: Seu Jorge, Marcelo D2, Hyldon, Kevin Njdana e a nova iorquina Alma Thomas convocando cariocas dos quatro cantos da cidades para uma noite com muito groove e passinhos no salão. A festa começou com show de abertura da banda Conexão Japeri. O agito marcou a reunião de Gabriel Moura e Seu Jorge, fundadores do Farofa Carioca, banda que marcou época nos palcos do Brasil e exterior. A dupla é autora de hits como “Amiga da Minha Mulher”, “Burguesinha”, “Felicidade”, “Moro no Brasil” “Mina do Condomínio”, entre outras.


Outros pontos altos da noite foram as participações de Hyldon, pioneiro do soul brasileiro, Kevin Njana, talento finalista do The Voice e da cantora norte-americana Alma Thomas. O evento foi um mar de experiências do universo da cultura de urbana do Rio. As diferentes vertentes da Black Music, do charme ao soul, passando pelo R&B, embalaram a noite, que foi além dos shows e apresentações de djs.  A dança, elemento fundamental da identidade dos bailes charme também esteve representada. O Grupo Dança Charme & Cia, liderado por Marcus Azevedo, levou dançarinos para agitar o baile e ensinar os primeiros passos aos que ainda não dominam o suingue, criando uma conexão entre artistas e público, que também protagonizou o espetáculo.


Do alto do mais tradicional palco da Lapa, o anfitrião Gabriel Moura e sua Big Band receberam uma constelação de convidados de diferentes gerações da música brasileira. Nomes consagrados e novos talentos navegaram pelo repertório de hits da blackmusic. Da BR3 de Toni Tornado, aos hits do Farofa Carioca, passando pelos Olhos Coloridos, a história da música negra foi contada com muita energia no Baile Charme Show.


Idealizador do Baile Charme Show, Gabriel Moura resumiu a noite: “Foi contagiante. Agora voltaremos com ainda mais energia! Conseguimos resgatar a tradição dos bailes de blackmusic, sem discriminação, sem limite de idade e com muita energia"; ponderou o cantor e compositor.