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quinta-feira, 21 de abril de 2016

Atores consagrados remontam em Ipanema peça de Nelson Rodrigues




De Luiz Carlos Lourenço
Fotos de Daniel Marques


Na noite de ontem, com a presença de vários jornalistas, blogueiros e artistas, como o cantor Tony Garrido,  o Gabinete de Leitura Guilherme Araújo, que funciona na casa onde o célebre empresário e produtor morou nos seus últimos 30 anos de vida, em Ipanema, e à época um dos endereços mais animados da cidade, abriu suas portas para louvar o teatro brasileiro, tendo sua sala principal como palco para a leitura dramatizada de uma peça de Nelson Rodrigues, "Viúva, porém honesta", revivida pelos atores Thiago Lacerda, Rogéria, Elvis Fidelle e mais um elenco excelente de jovens atores.





No local funciona em caráter permanente uma exposição de uma grande amiga de Guilherme, a fotógrafa baiana, Thereza Eugênia que revisita as várias fases da vida de Guilherme em dezenas fotos clicadas por Thereza, que acompanhou o produtor e empresário em todas as suas realizações desde a volta de Caetano e Gil do exílio em 72 até o fim de sua vida, em 2007: “Ele era um apaixonado por fotografia, fazia questão que tudo sempre ficasse registrado. Então eu fui o ‘selfie’ de Guilherme quando tudo ainda era feito manualmente, sem as facilidades das máquinas inteligentes de hoje”, revela Thereza.


Na leitura dramatizada realizada ontem, além de Rogéria e Thiago Lacerda, participaram do evento cultural e foram cumprimentados pelo êxito, os atores Nícolas Canabeco, André Martins, Eduarda Senise, Isabel Nitzsche, Raul Baldi, Stella de Paula, Rose Firmino, Rafaael Miollon, Paulo Telles, Elvis Didelle, Jéssica Secco e Gustavo Alves,com direção e coordenação de Rose Abdallah.


A mais nova casa cultural de Ipanema abriga também um curso de teatro promovido pelo Coletivo Alma Não Tem Cor, formado a partir de oficinas práticas de teatro na Rocinha e no Complexo do Alemão, em 2014 e que está promovendo o ciclo de leituras dramáticas das peças de Nelson Rodrigues. O Gabinete, administrado por amigos de Guilherme Araujo tem entrada gratuita e fica aberto ao público de segunda a sexta-feira, das 11 às 18 h.


PEÇA POUCO ENCENADA

"Viúva, porém honesta" é uma peça teatral de Nelson Rodrigues, dramaturgo e jornalista brasileiro. Foi encenada pela primeira vez em 13 de setembro de 1957 e tinha no elenco o ator Jece Valadão, então cunhado do autor.


A peça adere ao espírito "faz de conta" da farsa, não tem grandes preocupações com o realismo, e os personagens chegam a fazer alguns comentários técnicos, lembrando sempre ao espectador que o que ele está vendo é apenas uma "mentira". O autor propõe, assim, uma nova maneira de se brincar com o tempo numa peça cheia de voltas ao passado.


O Dr. J.B. de Albuquerque Guimarães, diretor do jornal "A Marreta” e um dos jornais mais influentes do país não consegue convencer sua filha única, Ivonete, a deixar de velar seu marido morto, Dorothy Dalton e voltar a ter uma vida normal, uma vez que tem apenas 15 anos e pode se casar de novo e lhe dar netos. Estando a filha irredutível e desejosa de permanecer enviuvada, o Dr. J.B. contrata uma ex-prostituta, um psicanalista e um otorrinolaringologista (todos charlatões) para dissuadi-la da ideia e voltar a querer se casar. O marido falecido de Ivonete é um ex-fugitivo da FEBEM e homossexual chamado Dorothy Dalton que caiu nas graças da menina quando o J.B. a mandou escolher um marido na redação do jornal para justificar uma gravidez indesejada, que fora detectada pelo médico da família, o Dr. Lambreta, velho esclerosado e maluco (mais tarde se descobre que a tal gravidez era falsa e inventada pela mente insana do médico).



Como Dorothy Dalton morreu atropelado por uma carrocinha de picolé Chicabom e como nenhum dos contratados achou uma solução para o caso, o jeito foi ressuscitar o morto para que Ivonete deixasse de ser viúva. O trabalho fica por conta do Diabo da Fonseca que através de uma sessão espírita reaviva o defunto livrando a menina de tal viuvez indesejada. Como prêmio o demônio desposa Ivonete.

SAUDADES DE GUILHERME

Figura fundamental na co-criação da Tropicália e na consolidação do grupo baiano no cenário da MPB, Guilherme Araujo, começou no teatro, foi pra Tupi, passou pela gravadora Elenco, virou empresário de Bethania, Gal, Caetano e Gil, entre outros, e nos anos 80 criou algumas das festas mais memoráveis da cidade. Numa época em que o Sambódromo ainda não existia e os bailes eram a grande sensação do carnaval, Guilherme reunia em suas festas celebridades e anônimos dos mais variados tipos e estratos sociais: Gala Gay, Sugar Loaf Carnival Ball, Jeca Chic e outras!


Famoso também por chamar a todos de “meu querido”, fosse um velho amigo, ou um novo conhecido, Guilherme era muito carismático e tinha um espírito eternamente festeiro. Mestre em saber misturar o sofisticado com o popular, o elegante com o brega, foi um personagem único do Rio de Janeiro.


Cunhou a expressão “Nunca fui santa”, que ele repetia sempre e que deu nome a mostra de fotos. A expressão também teria sido o titulo de sua biografia, que não pode ser terminada por conseqüência de sua morte e também da morte da biógrafa, a jornalista Mara Caballero, uma logo depois da outra.
As fotos expostas na casa contemplam 40 anos de registros, mas focam principalmente nesta época de ouro do empresário, sempre com muita música e muita festa, e na qual Guilherme brilhava entre toda a “fauna e a flora” da cidade do Rio de Janeiro, e visitantes de todo Brasil e do mundo. A mostra também inclui um vídeo com mais de 100 fotos de Thereza, em looping, que abrangem essas quatro décadas.


Embora sob o nome Gabinete de Leitura Guilherme Araújo, que ele colocou por achar da maior elegância, Guilherme deixou a casa para o Estado RJ / FUNARJ com fins culturais diversos, e por isso ela vai abrigar, em breve, novas leituras, como "Boca de Ouro," também de Nelson Rodrigues, além de lançamentos de livros, CDs, mostra de novos fotógrafos, pequenas exposições de artistas plásticos, cursos, saraus, etc, além de sua biblioteca, e, é claro, e também um café que funcionará no local de segunda a sexta-feira.



Uma homenagem a Guilherme Araújo num registro do desfile da Banda da Carmen Miranda, em Ipanema, da qual foi homenageado como padrinho
Foto: Luiz Carlos Lourenço