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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

LÁGRIMAS, SORRISOS, MUITOS APLAUSOS E A
SOLIDARIEDADE AOS GAYS  NO “DIVINAS DIVAS” 






De Luiz Carlos Lourenço
Fotos de Daniel Marques


 E finalmente chegou o fim de semana tão esperado. E por fim,  notáveis de todas as áreas e o público geral puderam confraternizar num só abraço e aplaudir, com entusiasmo, o coroamento de um projeto acalentado há vários anos pela atriz, produtora e agora diretora de cinema LEANDRA LEAL. Todos esperaram pacientemente pelos ajustes dos complicados equipamentos de filmagem e ninguém reclamou do atraso. Afinal, todos, literalmente todos, lotaram o tradicional Teatro Rival, na Cinelândia, para aplaudir muito, sorrir, gritar e ver lágrimas rolarem dos olhos com os momentos emocionantes vividos pelas grandiosas e DIVINAS DIVAS, fazendo parte de um momento histórico do show business.


 Num show inteiramente de roupagem nova, com uma surpreendente produção, foi possível se apreciar o talento destes artistas do Teatro Rival. Ali, com várias entradas estavam as super poderosas Rogéria, Jane Di Castro, Divina Valéria, Camille K,  Eloína dos Leopardos, Marquesa, Brigitte de Búzios e Fujika de Halliday, os primeiros artistas travestis do Brasil. Unidas, elas apresentaram um pout-pourri dos números musicais com os quais elas alcançaram sucesso e  provaram que aquela casa, que abriu seu palco para abrigar um dos primeiros palcos mostrando homens vestidos de mulher ainda no tempo da ditadura militar, tem a sua tradição gay, com muita honra, com muito respeito e com indiscutível credibilidade teatral .

  Para a comemoração dos dez anos do show DIVINAS DIVAS em cartaz e o coroamento do longa-metragem dirigido por Leandra Leal, uma edição inédita foi montada na sexta-feira e no sábado com uma produção à altura do glamour dos anos áureos dos shows de travestis – nas décadas de 1960 e 70, quando as Divinas Divas testemunharam o auge de uma Cinelândia repleta de cinemas e teatros, cenário de contestação e provocação aos costumes tradicionais. Através das músicas, o show trouxe para a cena o talento, as histórias e memórias de uma geração que revolucionou o comportamento sexual e desafiou a moral de uma época.
 Gustavo Gasparini foi o diretor convidado a conduzir o espetáculo junto com a atriz e diretora Leandra Leal, que conhece a fundo e conviveu com as Divas desde criança no Rival, teatro que pertence à sua família. As apresentações tiveram  orquestra ao vivo em direção musical do premiado produtor Plínio Profeta e músicos da nova cena  executaram alguns clássicos da pop music, junto com músicas marcantes das trajetórias das Divas em outros espetáculos. Uma trilha sonora original foi composta especialmente para a ocasião. 


 Com muita categoria, Jane Di Castro, Rogéria e Valéria foram as grandes cantoras do espetáculo, enquanto Marquesa, Camille, Fujika, Eloína e Brigitte dublaram nacionais e os internacionais  em performances cômicas e bem cuidadas. Os cenários da festa foram o elaborados pelo experiente diretor de arte Claudio Amaral Peixoto, e  os figurinos ficaram a cargo de Gabriela Campos. As coreografias serão assinadas por Renato Garcia, renomado dançarino, diretor de dança e jurado do programa Dança dos Famosos.
 A montagem do show na linha Teatro de Revista  foi  filmada como o grande finale de um documentário de longa-metragem para salas de cinema sobre a trajetória das Divinas Divas(assista ao teaser do filme no https://vimeo.com/77186623).





VAQUINHA MODERNA



 Para driblar os preconceitos das empresas em relação ao tema e conseguir financiar as filmagens, uma estratégia alternativa de financiamento colaborativo foi elaborada: uma campanha de crowdfunding – ou vaquinha virtual – está hospedada no site www.benfeitoria.com/divinas. As cotas foram  de R$ 20,00 a R$ 5.000,00 e deram direito a vários benefícios, como um lugar garantido na fila do gargarejo do show, uma visita ao camarim e até um jantar com Leandra e com as DIVINAS DIVAS, além do nome exibido nos créditos do filme.
 Mesmo “na encolha”, a turma mais próxima ficou sabendo que muitos atores renomados como Miguel Falabella, Bruno Gagliasso e Mariana Ximenes, contribuíram com misteriosos cheques para compor a vaquinha virtual, além dos apoios do apresentador Zeca Camargo e da atriz Betty Mendes. Com as colaborações e graças à proteção das plumas, paetês e purpurinas do meio ambiente das divas, o valor necessário para a conclusão do documentário foi obtido, com o maior êxito.


 Ao se dirigir ao público, nos agradecimentos, Ângela Leal mostrou todo seu orgulho pelo trabalho da filha, que seguiu com passos largos os ensinamentos dados pelo avô, Américo Leal, fundador do Teatro Rival:
Esta menina faz meu coração transbordar de orgulho e só posso dizer aos céus, obrigado meu Deus, por tanta alegria, falou Ângela, emocionada. 
  Outro empolgante momento do espetáculo aconteceu quando Jane Di Castro chamou ao palco seu companheiro Otávio,  que divide com ela alegrias e tristeza há 46 anos. Ele subiu à cena com um ramalhete de flores paras Jane e com lágrimas nos olhos, enterneceu os fotógrafos, garçonetes e o público em geral, num momento inesquecível.
Eu saí de minha casa em Oswaldo Cruz, seguindo para Bento Ribeiro, o bairro da Xuxa e Ronaldo Fenômeno. De lá parti para Madureira, onde conheci a mágica do Teatro de Revista. Sai de minha casa há 46 anos para viver com o Otávio e não me arrependo de nada. Ele sempre foi uma bênção na minha vida, disse Jane.


 O documentário musical de longa-metragem dirigido por Leandra Leal deverá ser lançado em circuito nacional e junho do próximo ano.  O fio narrativo costura imagens de arquivo e registros atuais com os números de um espetáculo delirante em que elas cantam, interpretam e reelaboram  com talento raro histórias de suas vidas.
 Através do roteiro do show, transitando entre realidade e ficção, as Divinas Divas serão apresentadas no documentário, seja em cena,  nos bastidores ou no seu dia a dia. Com o reforço de registros íntimos gravados ao longo de alguns anos de envolvimento com as personagens, o longa-metragem se propõe a refletir sobre questões  por trás dos estereótipos, trazendo à tona os afetos e disputas que caraterizam relações de amizade. Presente entre os notáveis da platéia, o deputado federal Jean Wyllys era um dos mais entusiastas assistentes do espetáculo. Ele foi um dos colaboradores que divulgou o crowfunding (vaquinha virtual), solicitando colaborações para o documentário em seu próprio site virtual



UMA DÉCADA NO RIVAL


 O show Divinas Divas está em cartaz há dez anos no Teatro Rival Petrobras. Para o filme, foi produzida uma versão comemorativa com uma estrutura à altura do potencial artístico das personagens. Gustavo Gasparani, premiado ator e diretor teatral com fortes vínculos com a tradição do Teatro de Revista, conseguiu apresentações com  orquestra ao vivo em direção musical do produtor Plínio Profeta. Diferentes entre si, cada Diva tem um estilo próprio e ainda assim formam um grupo coeso. As canções são sempre espertamente introduzidas por uma história pessoal que acentua a emoção da música. Os números de platéia são sempre engraçados e irreverentes. O espetáculo tem um visual kitsch e um delicioso ambiente nonsense.



 A estréia como diretora de cinema era um desejo antigo, mas ela precisava de um projeto que a tocasse como criadora. Foi quando se encantou com a história das Divas, que conhece desde pequena dos palcos do Teatro Rival, administrado por sua família há três gerações.
“Um artista completar 50 anos de carreira ainda em atividade é algo admirável, agora um artista completar 50 anos de carreira em atividade sendo travesti no Brasil é algo extraordinário”, comentou  Leandra Leal emocionada ao descrever o seu projeto.
Habituadas com a exposição ao público, essas artistas lidam com facilidade com a câmera e a todo tempo buscam seduzir, chocar ou surpreender. Sempre desconcertantes, as Divinas Divas sabem rir de si mesmas, divertindo e provocando seus espectadores.Quando jovens, Rogéria, Valéria, Jane Di Castro, Camille K, Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios aproximaram-se do universo artístico e do espetáculo. A princípio como maquiadores ou cabeleireiros, frequentavam a Cinelândia, onde aconteciam os primeiros shows em que homens cantavam e dançavam vestidos de mulher.  Não demorou para que entrassem em cena. Os teatros lotavam; os travestis representavam glamour, eram símbolo de liberdade e alvo de intensa curiosidade.


Num período em que a travesti francês Cococinelle tinha fama internacional, a ditadura brasileira proibia e perseguia homens que se vestiam de mulher. Apesar do contexto político, o sucesso alcançado nos espetáculos da Cinelândia rendeu convites para turnês em companhias internacionais e quase todas as Divas viveram longos períodos na Europa e EUA. Valéria (ou Valter Gonzalez) e Rogéria (ou Astolfo Barroso Pinto) foram as primeiras a sair do Brasil, seguidas pelo restante do grupo. 
Na Europa, alcançaram destaque no Carrossel de Paris, o templo mundial das travestis da época. Estimuladas pelo convívio, começaram a “transformar-se”  realizaram cirurgias plásticas de implante de próteses nos seios, administraram hormônios femininos, se engajaram em esculpir o corpo e construir uma nova imagem de si. Testemunharam e sobreviveram a práticas e métodos que ainda estavam sendo testados.
 Ao Brasil, retornaram como pioneiras apoiadas e festejadas por setores influentes da sociedade. Essas artistas trouxeram consigo novas possibilidades de comportamento, que encontraram adeptos numa geração marcada pelo engajamento político tradicional. No teatro, chegaram a trabalhar com Aderbal Freire Filho, Miguel Falabella, Charles Moeller, Claudio Botelho, Bibi Ferreira, Ney Latorraca e Berta Loran.


















































Ficha técnica
Direção: Leandra Leal
Produção Executiva: Carolina Benjamin
Direção de Fotografia: David Pacheco
Montagem: Natara Ney
Direção Musical: Plínio Profeta
Direção de Arte: Cláudio Amaral Peixoto
Direção do Show: Gustavo Gasparani 
Coprodução: Canal Brasil 
Realização: DAZA (dazacultural.com.br)